A grande pergunta: por onde começar?
Quando alguém decide aprender R, uma das primeiras decisões que enfrenta é: devo começar aprendendo base-R ou ir direto para o tidyverse? Esta é uma questão que divide a comunidade de R e tem implicações importantes para sua jornada de aprendizado.
Neste post, vamos explorar os prós e contras de cada abordagem, analisar o que dizem os especialistas e dar recomendações práticas para diferentes perfis de estudantes.
O contexto: duas filosofias de ensino
Abordagem tradicional: Base-R primeiro
Historicamente, R sempre foi ensinado começando pelos fundamentos: vetores, listas, data.frames, funções base como apply()
, tapply()
, e o operador $
. A lógica é simples: entender os fundamentos antes de partir para abstrações mais complexas.
# Abordagem base-R tradicional
data(mtcars)
<- mtcars[mtcars$cyl == 4, c("mpg", "wt")]
resultado <- tapply(mtcars$mpg, mtcars$cyl, mean) media_por_grupo
Abordagem moderna: Tidyverse primeiro
Nos últimos anos, muitos educadores adotaram uma abordagem diferente: começar diretamente com o tidyverse. A justificativa é que a sintaxe é mais intuitiva e permite que iniciantes sejam produtivos mais rapidamente.
# Abordagem tidyverse primeiro
library(dplyr)
<- mtcars |>
resultado filter(cyl == 4) |>
select(mpg, wt)
<- mtcars |>
media_por_grupo group_by(cyl) |>
summarise(media = mean(mpg))
O caso a favor do tidyverse primeiro
1. Curva de aprendizado mais suave
O tidyverse foi desenhado pensando na experiência do usuário. As funções têm nomes intuitivos (filter()
, select()
, mutate()
), e a lógica de pipes permite ler código quase como uma receita.
|>
dados filter(idade >= 18) |> # filtra adultos
select(nome, salario) |> # seleciona colunas
arrange(desc(salario)) # ordena por salário
Para um iniciante, este código é praticamente auto-explicativo.
2. Resultados imediatos
Com o tidyverse, um iniciante pode criar visualizações impressionantes e fazer análises complexas em questão de dias, não semanas.
library(ggplot2)
|>
mtcars ggplot(aes(wt, mpg)) +
geom_point() +
geom_smooth() +
theme_minimal()
3. Sintaxe consistente
Todas as funções do tidyverse seguem convenções similares: primeiro argumento é sempre os dados, nomes de funções são verbos, argumentos seguem padrões previsíveis.
4. Material de apoio abundante
A maior parte dos cursos online, tutoriais e materiais didáticos modernos usam tidyverse. Livros como “R for Data Science” se tornaram o padrão para ensino de R.
5. Relevância no mercado
A realidade é que a maioria das vagas de trabalho que envolvem R hoje esperam conhecimento de tidyverse, especialmente em ciência de dados.
O caso a favor do base-R primeiro
1. Fundamentos sólidos
Começar pelo base-R força você a entender como R realmente funciona: vetorização, tipos de dados, indexação, ambientes. Este conhecimento é fundamental para resolver problemas complexos.
2. Menos dependências
Base-R está sempre disponível. Você nunca vai ter problemas de compatibilidade, versões desatualizadas ou pacotes quebrados.
3. Performance e eficiência
Para operações simples, base-R é frequentemente mais rápido que tidyverse. Quando você entende os fundamentos, pode escrever código mais eficiente.
4. Flexibilidade total
Base-R é mais flexível. Não há abstrações que limitam o que você pode fazer. Você tem controle total sobre cada aspecto do seu código.
5. Preparação para debugging
Quando algo dá errado (e sempre dá), entender base-R é essencial para debugar efetivamente, mesmo código tidyverse.
O que dizem os especialistas
Argumentos pró-tidyverse
Hadley Wickham (criador do tidyverse) e muitos educadores argumentam que começar com tidyverse permite que estudantes se tornem produtivos mais rapidamente e desenvolvam interesse pela linguagem antes de se frustrarem com a complexidade do base-R.
Argumentos pró-base-R
Norm Matloff (UC Davis) e outros críticos argumentam que pular os fundamentos cria lacunas perigosas no conhecimento e que o tidyverse esconde demasiadamente a complexidade inerente da análise de dados.
Nossa recomendação prática
A resposta depende do seu objetivo e perfil:
Para iniciantes em programação com foco em análise de dados
Recomendação: Comece com tidyverse
- Você será produtivo mais rapidamente
- A sintaxe intuitiva reduz frustração inicial
- Alinha com as expectativas do mercado de trabalho
- Abundante material de apoio
Plano sugerido: 1. Aprenda o básico de vetores e data.frames 2. Mergulhe no tidyverse (dplyr, ggplot2, readr) 3. Volte para fundamentos de base-R conforme necessário
Para quem tem background em programação
Recomendação: Base-R primeiro
- Você já tem disciplina para superar a curva inicial
- Beneficia-se de entender os fundamentos
- Pode apreciar a flexibilidade total da linguagem
Plano sugerido: 1. Fundamentos completos de base-R (4-6 semanas) 2. Introdução ao tidyverse como “açúcar sintático” 3. Escolha a ferramenta certa para cada problema
Para acadêmicos/pesquisadores
Recomendação: Abordagem híbrida
- Comece com tidyverse para análises exploratórias
- Aprenda base-R para métodos estatísticos avançados
- Desenvolva fluência em ambos
Mitos a desconstruir
“Tidyverse não é R ‘de verdade’”
Falso. Tidyverse é R legítimo, apenas com abstrações diferentes. É como dizer que C++ não é programação “de verdade” porque abstrai assembly.
“Base-R é obsoleto”
Falso. Base-R continua sendo ativamente desenvolvido e é fundamental para muitas aplicações, especialmente em estatística e programação avançada.
“Você precisa escolher um ou outro”
Falso. Os melhores programadores de R são fluentes em ambos e escolhem a ferramenta certa para cada situação.
Conclusão e próximos passos
Para a maioria dos iniciantes, especialmente aqueles interessados em ciência de dados, começar com tidyverse é a melhor opção. A curva de aprendizado mais suave e os resultados imediatos mantêm a motivação alta durante os primeiros meses críticos.
Contudo, independente de onde você começar, seu objetivo deve ser eventualmente dominar ambas as abordagens. Um programador R completo sabe quando usar dplyr::summarise()
e quando usar tapply()
, quando usar ggplot2
e quando usar plot()
.
Próximos passos na série
- Próximo post: A Filosofia do Tidyverse - Entenda os princípios de design que tornam o tidyverse único
- Também na série: O Tidyverse em Números - Dados que mostram a dominância do tidyverse no ecossistema R
Recursos recomendados
Para começar com tidyverse: - R for Data Science - O livro definitivo - Curso Tidyverse no DataCamp
Para fundamentos de base-R: - Hands-On Programming with R - The Art of R Programming
Qual abordagem você escolheu para aprender R? Conta sua experiência nos comentários!